Muito embora justifique a intenção de assegurar o adimplemento dos débitos judiciais advindos de eventual sucumbência de pessoa estrangeira, é fato notório que nosso legislador pátrio, s.m.j., não teve dó nem piedade com o brasileiro ou estrangeiro que reside fora do Brasil ou deixa de residir no país durante o trâmite processual, algumas vezes como condição à concessão ou efetivação de tutelas antecipadas, exigindo-lhe que preste caução, a qual, via de regra, gira em torno de 10 a 20% do valor atribuído à causa, inviabilizando, assim, o acesso à justiça.

                                      Nesse diapasão, reza o art. 83 do Código de Processo Civil:

“Art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.

§ 1º Não se exigirá a caução de que trata o caput:

I – quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte;

II – na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença;

III – na reconvenção.

§ 2º Verificando-se no trâmite do processo que se desfalcou a garantia, poderá o interessado exigir reforço da caução, justificando seu pedido com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter.”

                                      Seguindo esta ótica de “garantia”, o juiz pode ordenar a prestação de caução pelo autor como condição para o deferimento da tutela provisória, visando preservar o ressarcimento de eventuais danos, ao vislumbrar a possibilidade de risco para ambas as partes.

                                      Todavia, em prestígio ao Princípio do Tratamento Nacional, recentes julgados do TJSP vêm manifestando entendimento no sentido de que as exigidas cauções representam tratamento desigual aos estrangeiros em relação aos nacionais, principalmente quando as partes forem oriundas de países signatários da Convenção da União de Paris (CUP), cujo conteúdo veda o tratamento desigual a empresas estrangeiras, através do Decreto nº 75.572, de 8 de abril de 1975, diploma normativo internacional esse sobre Propriedade Industrial.

                                      Nesse diapasão, nenhum país poderá exercer tratamento discriminatório ou preferencial em favor do nacional, ou seja, o tratamento conferido ao nacional também deverá beneficiar o estrangeiro. Por conseguinte, ainda que determinado país não mantenha acordos de cooperação judiciária mútua com o Brasil, mas seja signatário da CUP, dada a altíssima adesão e ratificação de seu texto globalmente, tendo aproximadamente duas centenas de países como signatários, será beneficiado diretamente.

                                      Desta feita, interpretando-se conjuntamente o inciso I, do §1º, do artigo 83 do CPC, com o artigo 2º da CUP – que dispõe: “nenhuma condição de domicílio ou de estabelecimento no país em que a proteção é requerida pode, porém, ser exigida dos nacionais de países da União para o gozo de qualquer dos direitos de propriedade industrial” – tem-se evidente a exceção à previsão do caput do primeiro codex citado, no que se baseou o TJSP para proferir seu entendimento sobre a dispensa da caução como garantia do asseguramento dos débitos judiciais advindos do litígio.

                                      Nesse sentido, segue recente julgado:

“TUTELA ANTECIPADA — Caução — Garantia imposta em primeiro grau a empresa estrangeira — Razões recursais que pretendem o afastamento da caução — Acolhimento — Empresa estrangeira sediada em país signatário junto com o Brasil da Convenção da União de Paris para a proteção da propriedade Industrial, que prevê a paridade entre nacionais e estrangeiros — Dispensa da garantia que é medida recorrente em precedentes envolvendo empresas nacionais — Caução desnecessária — Agravo provido. TUTELA ANTECIPADA — Depositário de bens — Ordem de busca e apreensão deferida em primeiro grau, com anotação de que os bens eventualmente retidos permaneçam em poder das corrés — Inconformismo recursal — Pertinência — Existente o risco de alteração dos produtos em prejuízo da verificação final do direito das autoras e, ainda, ausente prejuízo para as rés, pois a verificação da contrafação impede a exploração do produto a qualquer título — Nomeação das recorrentes como depositárias — Agravo provido. TUTELA ANTECIPADA — Nomeação de perito para acompanhar busca e apreensão — Razões recursais que pretendem a dispensa da nomeação do profissional — Pertinência — Circunstâncias dos autos indicativas de que a contrafação é ostensiva — Hipótese que dispensa a atuação profissional, nos termos da jurisprudência das Cortes Reservadas em matéria empresarial — Nomeação de perito reputada desnecessária — Decisão reformada nesta extensão — Recurso provido. DISPOSITIVO: Deram provimento ao agravo de instrumento” TJ-SP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, AI 2079700-93.2020.8.26.0000; des. rel. Ricardo Negrão, j. em 8/5/2020.

                                      Nas decisões do Superior Tribunal de Justiça os ministros aceitam regularmente o pedido de exclusão da obrigação quando a empresa estrangeira possui representante no Brasil.

                                      A 11ª Câmara de Direito Privado do TJSP, nos autos do agravo de instrumento nº 2036299-49.2017.8.26.0000, por meio do Desembargador Relator Gil Coelho, considerou a existência do acordo de cooperação em Matéria Civil entre o Brasil e a França, promulgado pelo Decreto 3.598, de 2000, e também com base nas exceções do CPC, onde citou outro julgado de 2011 do TJ-SP (apelação nº 9130231-21.2007.8.26.0000), afastou a necessidade do pagamento da caução por parte de uma empresa francesa que judicializou ação visando a apreensão de carga em desfavor de uma Cia. de transporte marítimo e logística no valor de US$63 mil.

                                      Fato é que o Brasil assinou inúmeros acordos e tratados internacionais que visam promover o acesso à Justiça e “batem de frente” com a tal necessidade de caução. Podemos citar, dentre eles, a Convenção sobre o Acesso Internacional à Justiça, internalizada pelo Decreto nº 8.343, de 2014, e o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do Chile, de 2009.

                                      Hodiernamente os tratados e convenções do Brasil estão firmados com cerca de 35 países.

                                      Por essas e outras, muito embora logo ao chegar o artigo 83 e seus parágrafos do CPC tenha trazido noites mal dormidas para muitos, hoje não passa mais de artefato efêmero e fugaz, que de nada serve a não ser enfeitar o indigitado codex como mais um dispositivo passageiro em total desuso, consumido pelo sapiente entendimento jurisprudencial que o enterrou.

                                      Feitas tais digressões processuais, registre-se a importância de uma assessoria jurídica constante, muitas vezes para prevenir e não ter que mais tarde remediar.

                                      É muito importante procurar por um escritório competente e com expertise comprovada no mercado, visando orientar-se através de uma advocacia consultiva, do que ter que encarar uma futura judicialização, por ausência de busca por prévia orientação jurídica.

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