Primeiramente, vamos distinguir as duas modalidades, para melhor entendimento.
No empréstimo consignado as parcelas contratadas são debitadas diretamente na folha de pagamento do consumidor, sendo concedido, em sua maioria, a funcionários públicos, pensionistas ou aposentados, normalmente com taxas de juros diferenciadas, diante do baixo risco que apresenta a quem oferta o crédito.
No empréstimo pessoal, o cliente-consumidor busca o crédito junto à instituição financeira, que libera a totalidade do valor ao mesmo e desconta mensalmente uma vez ao mês as parcelas pactuadas. Neste caso, o pagamento do empréstimo é mediante débito automático em conta de titularidade do consumidor e, normalmente, possui taxas de juros mais elevadas, uma vez que maior o risco do banco que concede o crédito.
O mais importante, porém, é que mesmo o empréstimo pessoal, com débito automático em conta corrente em que você recebe sua remuneração, pode ser limitado a 30% dos seus rendimentos líquidos, porque tem natureza alimentar.
O limite de 30% para o desconto de valores de empréstimos consignados está previsto no art. 6º, §5º, da Lei 10.820/2003 (que dispõe sobre a autorização para desconto em folha de pagamento) e pacificado na jurisprudência.
Mas e no caso do empréstimo pessoal, com débito em conta?
Para estes casos o importante é compreender a função da norma/jurisprudência limitadora, a possibilidade de sua extensão aos casos de empréstimos pessoais e as garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição pátria.
Assim, o objetivo da disposição legal, ao estabelecer porcentagem máxima para os descontos consignáveis na remuneração do servidor é evitar que este seja privado dos recursos necessários para sua sobrevivência e a de seus dependentes; buscando atingir um equilíbrio entre o objetivo do contrato (razoabilidade) e o caráter alimentar da remuneração (dignidade da pessoa humana e o mínimo essencial à sobrevivência – art. 1º, III, da Constituição Federal/1.988).
Em contraponto, as instituições financeiras, por sua vez, têm por prática conceder empréstimos aos consumidores de forma irresponsável, sem se aterem se há comprometimento significativo de sua renda mensal, produzindo superendividamento e, assim, gerando ofensa à sua dignidade.
Nesse diapasão, certo que os valores cobrados pelos bancos não podem consumir a integralidade ou a grande parte dos vencimentos dos devedores, não podendo privá-los do mínimo necessário para a subsistência, mesmo que válidos os acordos bancários contratados, sob pena de ferir, também, o princípio norteador de boa-fé objetiva (art. 4º, III e 51, IV, Código de Defesa do Consumidor), princípio esse que impõe ao fornecedor uma conduta pautada na lealdade, cuidado e cooperação com o vulnerável.
O art. 170 da Constituição, já no caput, preceitua que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos a existência digna, não se concebendo, daí, que uma parte na relação contratual obtenha vantagem absurda, enquanto a outra parte é conduzida à ruína pessoal, financeira e psíquico-emocional.
De sorte que, para garantir a existência digna e a subsistência mínima do consumidor/trabalhador, é que o Judiciário tem se posicionado na limitação do desconto a 30%.
A propósito, sobre o tema, vejamos o entendimento de nossos Tribunais:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONTOS EM CONTA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PROPORCIONALIDADE. VÁRIOS EMPRÉSTIMOS. LIMITE MÁXIMO DE 30%. É possível que as instituições financeiras descontem valores em conta bancária dos devedores, desde que limitado ao patamar de 30%. Dessa forma, preserva-se a dignidade da pessoa humana e aplica-se o princípio da proporcionalidade, atendendo aos interesses de ambas as partes. Existindo vários empréstimos contratados em nome do devedor, a soma dos descontos de todos eles não pode ultrapassar o limite de 30% dos vencimentos líquidos do devedor, sob pena de lhe causar a completa impossibilidade de subsistência.” (TJMG. 14ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0024.12.238906-7/003. Rel. Des. Estevão Lucchesi, DJe: 29/05/2013). (Grifamos)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS BANCÁRIOS. EMPRÉSTIMOS. DÉBITO AUTOMÁTICO. POSSIBILIDADE. LIMITE 30% DO RENDIMENTO LÍQUIDO. NATUREZA ALIMENTAR. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. (…) Se se discutem vários empréstimos, a soma dos descontos de todos eles não pode ultrapassar o limite de 30% dos vencimentos líquidos do devedor, devendo-se observar a proporção de cada parcela…” (TJMG. 10ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento n. 1.0024.11.017788-8/002. Rel. Des. Pereira da Silva, DJe: 10/07/2012 – ementa parcial). (Grifamos)
“Agravo de instrumento contra decisão que deferiu a tutela antecipada para limitar os descontos que estão sendo efetivados na conta corrente da agravada, por conta de pagamento de parcelas de vários empréstimos contraídos, em 30% dos seus vencimentos mensais. Decisão que se encontra em sintonia com o princípio dignidade da pessoa humana, já que praticamente a integralidade dos proventos mensais da agravada está sendo absorvida tão somente com o pagamento das parcelas dos vários empréstimos contraídos com o agravante, bem como com o Código de Defesa do Consumidor e, ainda, com o princípio da função social do contrato, preconizado no artigo 421 do Código Civil. Aduza-se que a limitação supra encontra respaldo analogicamente ao disposto no artigo 6º, § 5º, da Lei 10.820/2003, entendimento que, inclusive, restou consolidado no Enunciado nº 15 desta Corte, oriundo do Encontro de Desembargadores Cíveis de 2009, conforme Aviso TJ nº 69/2009. Multa arbitrada em consonância com a lógica do razoável. Decisão que não se evidencia teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos. Aplicação do entendimento consolidado na Súmula 59 desta Corte. Recurso a que se nega seguimento. (TJ-RJ – AI: 00456793820118190000 RIO DE JANEIRO PETROPOLIS 3 VARA CIVEL, Relator: CARLOS JOSE MARTINS GOMES, Data de Julgamento: 12/12/2011, DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/12/2011). (Grifamos)
Ainda, esse é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria:
Banco. Cobrança. Apropriação de depósito do devedor. O banco não pode apropriar-se da integralidade dos depósitos feitos a títulos de salários, na conta do seu cliente, ainda que para isso haja a cláusula permissiva no contrato de adesão. Recurso conhecido e provido. (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 492777/RS, Relator – Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Destaca-se, pois, que em ações desta natureza, há a possibilidade do pedido de antecipação dos efeitos da tutela (liminar), eis que existe interesse processual pela segurança e eficácia do processo, partindo da apreciação do perigo que a demora da lide possa afetar o equilíbrio das partes e tornar inócua e imperfeita a providência final e, pautada nestes argumentos legais, a MORELLI & D’AVILA obteve, ainda recentemente, liminar limitando os descontos a 30% dos rendimentos de nosso cliente, decisão essa que foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, junto à 19ª Câmara de Direito Privado (demais dados do processo mantidos em sigilo pela privacidade do cliente e ética profissional). Confira:
AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de obrigação de fazer Tutela de urgência deferida para determinar ao banco réu a limitação dos descontos das prestações vincendas dos empréstimos indicados na inicial em 30%dos rendimentos da autora Descontos em folha de pagamento Presença dos elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano Verba de caráter alimentar Aplicação por analogia da Lei nº 10.820/2003 Precedentes do Superior Tribunal de Justiça Decisão mantida Recurso não provido.
O réu, ora agravante, sustenta, em síntese, que a agravada transferiu o recebimento de seu salário para o Banco XXX S/A, o que impede o cumprimento da decisão. Aduz que a limitação de 30% dos descontos se refere àqueles realizados em folha de pagamento e benefício previdenciário, não podendo essa regra será plicada aos dois empréstimos não consignados. Argumenta que a agravada busca se eximir das obrigações livremente contratadas, pois tinha ciência dos seus rendimentos líquidos e optou livremente por firmar diversos contratos. Requer o efeito suspensivo e a reforma da decisão. (…)
Levando-se em consideração que o salário possui natureza alimentar, visando a manutenção e sustento da pessoa e de sua família (artigo 7º, X, da Constituição Federal), bem como, protegido pela regra da impenhorabilidade (artigo 833, IV, do Código de Processo Civil), a urgência no provimento jurisdicional está presente ante a natureza alimentar da verba, sob pena de comprometimento da sobrevivência da própria parte. (…)
Portanto, a fim de que a agravada não privada de seu salário, bem como, para que não se furte ao cumprimento das obrigações por ela assumidas, mostrou-se razoável e adequada a solução do Juízo “a quo” de limitar os descontos em 30% dos rendimentos a fim de não comprometer a sua subsistência.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. (Grifamos)
Para arrematar, é certo que atualmente a obtenção de crédito mediante empréstimo financeiro está facilitada, reflexo do excesso de oferta, de propagandas ou campanhas publicitárias.
Com isso, o consumidor, muitas vezes na expectativa de aquisição de um bem, ou para honrar com outros compromissos e contas pessoais, especialmente em momentos de crise, recorre a mais de um contrato de empréstimo, e, de forma desavisada, compromete o seu rendimento e afeta sua subsistência e da sua família.
O que talvez ele não saiba é que, por mais que tenha vários contratos de empréstimos, a soma total dessas parcelas mensais, não pode ultrapassar os 30% do seu rendimento líquido.
Ocorrendo isso, é necessário recorrer ao Judiciário, a fim de obter ordem judicial que limite os descontos e garanta, assim, a dignidade do consumidor, permitindo, ao menos, que tenha assegurado 70% de seus rendimentos, sem que isso implique, outrossim, em inadimplemento contratual.
E, concluindo, caso a instituição financeira deixe de cumprir a ordem judicial, mantendo os descontos sem observar o limite de 30% dos rendimentos líquidos do consumidor, poderá se sujeitar ao pagamento de multa diária, que será fixada pelo juiz da causa.
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Dra. Fernanda Paula Zucato
OAB/SP nº 165.911